A nossa identidadeFalta-nos, cada vez mais, uma identidade que reflicta e permita conhecer a nossa história musical para além do que se escuta nas rádios nostalgia dos nossos dias. Acabei de assistir a um pedaço dessa história na RTP Memória, numa transmissão gravada em 1987 e dedicada à música portuguesa de sempre. Muitos daqueles temas permanecem nos arquivos da nossa história musical, mas grande parte deles são desconhecidos das novas gerações de portugueses.
Por vezes, recordo-me de um ou outro disco de música portuguesa que marcou a minha vida em determinado período e raramente o consigo encontrar disponível no mercado porque nunca foi editado em CD, ou então, depois de ter esgotado, nunca mais foi reposto. Aliás, tendo assistido ao “famoso” e “turbulento” boom do rock luso, posso pegar nessa produção dos “loucos anos” de 80/82 e referir alguns exemplos que permanecem sem edição condigna.
“Taxi” dos Taxi (assim mesmo, sem acento, ao contrário do que muita gente conhecedora insiste em escrever) foi o primeiro disco português a atingir o galardão de ouro na nossa indústria. Contudo, apesar do feito assinalável, jamais foi editado em CD.
“Independança” dos GNR (ainda com Vítor Rua e Alexandre Soares no grupo e já com Rui Reininho de corpo inteiro no projecto) foi o mais aclamado disco de música moderna portuguesa da década de 80, porém, aparte a maior ou menor dificuldade técnica, nunca viu a luz do dia em formato CD.
Verdadeiro “case study”, incluindo aspectos exteriores à música e dentro de um âmbito sociológico, os UHF do nosso amigo António Manuel Ribeiro (para quando a tua próxima crónica?) têm uma carreira feita em diversas editoras e com mais discos indisponíveis em CD do que disponíveis! Tirando o primeiro álbum “À Flor da Pele” (1981), não se encontra, actualmente, no mercado, nenhum CD dos UHF anterior à recente fase do “Rock É” (corrige-me António se estiver enganado!).
Todavia, “discos esquecidos” existem em todas as décadas. Percursores de uma nova onda musical que se vivia na década de 60, o Quarteto 1111 marcou a entrada da língua portuguesa no pop rock de qualidade. Quantos dos LP’s do Quarteto 1111 se encontram disponíveis no mercado? Pois… e que é feito do disco que foi censurado e retirado do mercado pela PIDE? E onde se encontra a colaboração entre Frei Hermano da Câmara e o Quarteto 1111, em 1973, de onde resultou “A Bruma Azul do Desejado”? José Cid toca “Moog” em mais esse disco esquecido.
Urge conseguir recuperar este vasto espólio e disponibilizá-lo com a dignidade que merece. O surgimento de uma edição especial destes trabalhos, cuidada, bem seleccionada, com pequenos bónus e a um preço reduzido poderia ser uma solução. Uma colaboração com um jornal ou revista seria outra ideia para uma primeira distribuição eficaz dessa colecção.
Um dos motivos porque gosto de músicaA “Febre de Sábado de Manhã” assinala 25 anos e no meu baú das recordações continuo a não esquecer os programas que Júlio Isidro realizou e apresentou no início dos anos oitenta, em estreita ligação com o fenómeno do rock português.
Viviam-se anos muito bons para a indústria discográfica, para os novos artistas e para os homens da rádio deste nosso Portugal. Em 1980 - contava eu 10 primaveras - comecei a descobrir as novas propostas musicais e a tornar-me ouvinte compulsivo de rádio muito por culpa do trabalho de Júlio Isidro. Seguia avidamente as suas emissões, assim como as de outros grandes divulgadores, dos quais destaco Luís Filipe Barros.
Nasceu aqui um grande “bichinho” que me levou a acompanhar a nossa música e a começar a fazer rádio em 1986/87. Antes disso, em 1982, ainda espalhei colunas retiradas de velhas telefonias pelas várias divisões da casa de meus pais e, com recurso a um primitivo deck, realizei as minhas primeiras aventuras "radiofónicas". Belos tempos...
E, efectivamente, foram belos os tempos em que os programas de autor existiam e evoluíam. Eram bonitos os dias (e as noites) em que, para além de anunciarem a música seguinte, os locutores nos contavam algo mais sobre os artistas e sobre as músicas. Tudo isso, hoje em dia, é mais plástico, não por culpa dos locutores, mas por opção estratégica de quem dirige e formata as estações.
Esta época que vivemos tem novos talentos, com tanto ou maior valor do que aqueles que surgiram em 1980. Porém, salvo raras excepções, estamos a ver passar uma geração de músicos sem que o seu trabalho seja conhecido. Perdem-se criadores, perdem-se músicos, perdem-se momentos mágicos e caminha-se para uma regressão quando a actual geração arrumar as botas e for para casa gozar uma merecida reforma – daqui a muitos anos, espero.
Precisamos de uma rádio que recupere outros valores e que compreenda o potencial da inovação e do risco. Sem o assumir de riscos, nenhum de nós teria crescido e evoluído. Sem riscos, jamais as rádios de hoje teriam os sucessos do passado para usarem no presente. Por este caminho, a rádio, em 2015 (se ainda houver rádio), vai passar músicas de que década?
O que precisamos mesmo é de mais pessoas como Júlio Isidro e de uma agitação semelhante àquela que ocorreu, em Portugal, com a “Febre de Sábado de Manhã”.
Luís Silva do Ó