30.4.05

Blogue-se à força – Dez
O segredo é a mentira do negócio

Génesis

Aconselharam-me hoje de manhã: não penses o que não queres, não desejes aquilo que te incomoda, não faças aquilo que não gostas, não desejas ou não queres pensar.
Se a minha vida se limitasse ao óbvio – sobreviver, colectar e defecar – como a esmagadora maioria desta humanidade de múltiplos sofrimentos, já me tinha suicidado, convicto que a missão por aqui chegara ao fim. Mas não, por enquanto não, encontro ainda interesses por espreitar na vida, nesta experiência cósmica em que me encontro com todos vós, mesmo aqueles que se acham uma embalagem de luxo, para além dessa esquina que fica ali, vocês sabem.
O que hoje aqui vou relatar é tudo aquilo que nunca irão ler quando, por ventura, as críticas sobre o novo CD dos UHF, “Há Rock no Cais”, surgirem por aí. Mas podem acreditar no que vos digo: está tudo lá nas canções, ou quase, sobretudo as linhas de força do meu pensamento.
Há muito tempo que escrevo de uma forma críptica, nas canções e nos livros, sinais que vou deixando para outro entendimento, assim como flores que se descobrem solitárias entre muitas na berma, e nos fazem compreender e sorrir na demanda.


O disco

Em Janeiro de 2004 comecei a curar um mal de amor com a gravação de canções acústicas e a declamação de poemas destinados a um terceiro álbum a solo: eu, o Tó na guitarra, o Fernando no Pró-tools e o Tejo a roçar o Atlântico na janela grande do estúdio.
A Ópera dos UHF ainda não tinha um ano de edição, havia planos na EMI para o seu futuro fora do sufoco do Natal de todas as misérias, a nova digressão era compacta, não havia devaneios editoriais em perspectiva.

As paixões mais puras e intensas têm destas coisas: damos tudo e inventamos o resto para dar. Foi o que me aconteceu.
“Matas-me com o teu olhar” fazia parte de uma maqueta que o Miguel Fernandes me dera há um par de anos atrás para analisar. Na altura não lhe liguei muito.
O acaso, que é um amigo próximo, fez-me ouvir a canção no frio de Janeiro. Uns dias depois estávamos em estúdio para a gravar, a letra fora reescrita por mim e o arranjo soava à UHF.
Concluída a primeira mistura, ofereci a esse amor no seu aniversário a canção que falará para sempre da sua forma de olhar.
É assim a vida do artista: ou tudo ou nada. Perguntem ao Picasso, perguntem ao Ary dos Santos, perguntem ao Peter Hammill, perguntem a todos aqueles que juntam a arte à fonte das emoções se a vida não é isto – tudo ou nada.


Fevereiro

Quando em Fevereiro se assentou na ideia de relançarmos a Ópera num formato mais compacto, fomos para estúdio gravar dois ou três temas essa colectânea que se poderia vir a chamar “Há Rock no Cais”: “Matas-me com o teu olhar”, que haveríamos de estrear ao vivo no final de Janeiro em Glória do Ribatejo, era uma delas.
Como o Paulo Junqueiro (A&R da EMI) adorou as canções gravadas em Paço de Arcos, chutou para a frente e perguntou: grande rock, grande rock. E o resto do disco, onde é que está?!
É então e assim que “Há Rock no Cais”, disco de originais, começa a nascer: a escrita pela noite, uma semana a ensaiar, outra semana a gravar, concertos à sexta e ao sábado. Torci o nariz, lembrando outros discos por encomenda. Com o tempo, o embrulho e o conteúdo revelaram, uma vez mais, que as coincidências existem para nos maravilhar o caminho.


Um fogo que arde sem se ver

E durou para aí umas sete horas, entre a saída da empregada e o meu regresso do Estúdio, madrugada dentro. A casa ardeu, sujou-se o resto que não ardeu como uma chaminé de pizzaria, e, enquanto o dito esfrega um olho, estava a viver num hotel da Caparica: aprendi, durante um pouco mais de dois meses, uma nova forma de vida.
Metade do meu contributo autoral para o disco foi escrito nesse T0 com vista para o imenso azul glauco do oceano, despojado das pequenas coisas que ignoramos mas preenchem a nossa vida, à beira de vários ataques de nervos vencidos numa demanda espiritual que me traz todo o significado a esta passagem por aqui: se era mais uma prova, aceitei-a.
Foi a olhar o Atlântico e a praia sem pescadores que escrevi numa manhã de sábado a canção “Há Rock no Cais”, de um jorro como noutras canções que me hão-de acompanhar pela vida fora e eu agradeço à fonte da inspiração.
Se o amor e a paixão são um fogo que arde sem se ver, eu ardi, a casa ardeu, o disco nascia.


A minha rotina é mudar

Dou-me mal com a rotina. Desde puto que inventava os meus jogos, as traquinices do costume, os desejos, e tudo abandonava por novos inventos. Os “Cavalos de Corrida” são disso denúncia: a rotina que aceitamos pelas justificações mais esfarrapadas mata sem apelo cada segundo das nossas vidas. O melhor é pôr tudo em causa. E este novo disco é isso mesmo: os UHF estão mais coesos, somos quatro em palco e quatro em estúdio, a produção ficou a cargo da democracia ululante, o resultado agrada-nos muito, até porque ficaram sete temas na prateleira – ainda houve uma altura em que pensámos partir para um novo duplo de originais e rimos, rimos à farta.
Pela primeira vez foram aceites autores externos. A meio do verão já sabíamos que o disco não teria o selo EMI, tudo isto enquanto o apoio da Antena 3 à canção “Matas-me com o teu olhar” se tornava um caso sério de divulgação e aposta.
Para o alinhamento final dos temas quase que houve um 25 de Abril dentro da casa dos UHF. Vingou a revolução das rosas (não confundir com o partido do governo), ganhámo-nos como banda que faz convictamente o que lhe apetece e sabe ler os indicadores que povoam o cenário desta existência artística: alguns de nós dizem que a melhor canção das sessões de “Há Rock no Cais” ficou de fora, à espera de outra estação. Chama-se ”Canção de roubar o amor”.


A temática

Entre o amor, que se reaprende sempre como se fosse a primeira vez, e o discurso político, escrevi as minhas canções para este disco.
Recebi dessa Musa o perfume e a seiva que me permitiu outras novas canções de amor e paixão, um diálogo iniciático que todos podem espreitar e reinterpretar: as canções de amor servem para isso mesmo.
Na intervenção política encontro a vontade de despertar consciências: a política não nos vai resolver os problemas só porque, periodicamente, exercemos o direito de votar. A consciência desta comunidade nacional deve ser alargada à consciência de que a comunidade a que realmente pertencemos é universal e diferenciada – nascemos humanos nesta Terra e só depois realizamos que somos portugueses aqui neste pedaço de praia.
Com o falhanço do catolicismo e do comunismo para transformar o homem de fora para dentro, começa por cada um de nós a tarefa de regressarmos à casa do homem que muda usos, costumes e tradições, salvaguardas e dogmas que têm produzido os resultados cíclicos desta catástrofe desumana.
Mudar é preciso, mas o poeta já vai esquecido e enterrado pela alegria alarve e arrogante dos pequenos chefes.
Esta é a dimensão guardada do novo disco dos UHF, e a história não acaba aqui.

António Manuel Ribeiro – 30 de Abril de 2005

20.4.05

A Minha Fender é Melhor do que a Tua!

OS 20 TEMAS MAIS TOCADOS NO MÊS DE MARÇO:

A Minha Fender é Melhor do que a Tua!
De Segunda a Sexta entre as 14h e as 15h.
Radio Universitária do Minho (Braga) 97.5 fm

* Bliss - Better Decision Next Time
* The Umplayable Sofa Guitar - Could Be You
* Humanos - Amor de Conserva
* Mantra - The Things You Said
* Margarida Pinto feat. Puto P. - Aviso-te
* Radio Macau - A Ultima Gota de Mim (ao vivo)
* Funami - Cow Run
* Umeed - A Tear Pluuges
* Peste & Sida - Funky Riot
* The Symphonyx - Winter Fall
* Old Jerusalem - The Cry of A New Birth
* Primitive Reason - El Caballero (de la triste figura)
* Blasted Mechanism - Blasted Empire
* Blister - Good Things and the Bad Things
* Vitorino - Quero ir A Bola (claque insegura)
* A Naifa - Os Milagres Acontecem
* Luiz e a Lata - Andei...
* Here B Dragons - Safety Margins
* High Flying Bird - Wild Seeds
* Mantra - Silk Slidepor

Vitor Pintofender@tugamail.com Apartado 557 * 4750 Barcelos