31.3.08

Trinta anos depois

Pode parecer um cliché realçar como não é todos os dias que uma banda celebra 30 anos de actividade musical ininterrupta. Pois pode, mas não deixa de ser verdade. Só por isso, o concerto dos UHF no passado dia 28, na Aula Magna da Universidade da Reitoria de Lisboa, poderia ficar na memória. Felizmente, houve muitos mais motivos.
Depois de um primeiro tema acompanhado à guitarra acústica, a entrada da banda em palco rapidamente converteu o ambiente em celebração rock; o tom estava dado e não deixava os créditos – nem as memórias – por mãos alheias, atacando “Jorge Morreu”. Alguns dos mais novos talvez não tenham reconhecido o tema principal do single de estreia da banda de António Manuel Ribeiro.
Aliás, essa foi uma das características da noite, um cruzar constante de gerações e sensibilidades que tão bem sublinha a transversalidade da música deste nome histórico daquele a quem chamaram rock português. Se as vozes subiram alto em temas mais recentes, como “A Lágrima caiu”, não é menos verdade que todos entoaram e dançaram (pois então!) hinos de outro éter, como os rebeldes “Cavalos de Corrida” ou uma já tão diferente “Rua do Carmo”.
O dia era de festa (o concerto, intitulado “Trinta Anos Ligados à Corrente”, assinalou o início das celebrações das três décadas de actividade) e não faltaram os amigos. Além dos que se iam cruzando pelo bar e pelos corredores (não é todos os dias que se vê um “par de maduros” a recordar onde comprou a sua edição, vinílica, claro, de Back in Black, saudoso hit dos AC/DC) outros, pisaram as tábuas do palco.
Jorge Manuel Costa (piano e saxofone), o violinista Nuno Flores (participante em projectos como Quinta do Bill ou Corvos), António Eustáquio, a acompanhar o grupo na guitarra portuguesa, em “Apetece Namorar Contigo em Lisboa”. Mas também o sempre inesperado, ecléctico e, por isso mesmo, desconcertante, Maestro António Vitorino d’Almeida, que concedeu uma nova roupagem a “Sarajevo”, tornando-a tão devedora da urgência Rock que a gerou, como dos requintes herdados de Stockhausen ou Schöenberg a que o Maestro tanto recorre (alguns defenderão união mais funda na paixão clubística, assumida, como se percebeu, pela águia que também faria uma perninha). Um momento único sem dúvida.
António Manuel Ribeiro (o único elemento da banda presente desde a formação original) esteve igual a si mesmo, com as assumidíssimas influências de Jim Morrisson e os seus The Doors (no que foi bem secundarizado pelo guitarrista, António Corte-Real seu filho) baixista (Luís Simão) e baterista (Ivan Cristiano). Na recta final, “Matas-me com o Teu Olhar” voltou a colher um coro quase unânime numa Aula Magna bem composta (apenas para banda da noite, diga-se em abono da verdade, uma vez que os nomes escolhidos para a abertura, Karpe Diem e Pó D`Escrer, não aqueceram o lugar, para uma plateia sobejamente vazia). E, cereja no topo do aniversário, a função foi encerrada com uma jam session onde pontuaram os diversos convidados, incluindo um saudoso Renato Gomes, primeiro guitarrista, que partilhou o histórico long play (ainda alguém saberá o que isso é?) de estreia “À Flor da Pele”. Adequadamente, o tema escolhido foi precisamente desse trabalho, “Rapaz Caleidoscópio”, onde se evoca “um intelectual de ar estafado / um homem de faces cavadas na noite” que “cruza o Bairro Alto no silêncio dos ténis claros / em passos largos de dança”.


João Morales



Agradecemos esta excelente colaboração de João Morales, director da revista "Os meus livros"

Vídeo pirata

Excerto da última música do concerto:

UHF - As fotos na Aula Magna

António Manuel Ribeiro e os UHF a poucos segundos de entrarem em palco.



















António Manuel Ribeiro e Renato Gomes num dos grandes momentos da noite: Cavalos de Corrida.



















António Côrte-Real enquanto solava na canção "Uma valsa/Uma dança".
























O maestro António Vitorino de Almeida deu espectáculo durante Sarajevo.
























António Côrte-Real em mais um grande momento bastante ovacionado pelo público presente.























Fotos: Luís Silva do Ó