27.6.06

A rádio é uma maçã

Pelo menos quem vos escreve estas linhas considera-a comparável. Mas, ao contrário do que as mentes mais imaginativas já supõem, não o é por estar madura e com bicho. Enfim, não é que a rádio de hoje não viva, genericamente, uma crise de identidade. Porém, encaro-a como se de uma maçã se tratasse, porque, para mim, será sempre uma tentação. Uma tentação que me conquistou irremediavelmente enquanto ouvinte e, mais tarde (entre 1987 e 1995), quando fui responsável por programas semanais. De autor, diga-se.
Curiosamente, além de uma tentação acaba por ser um bicho, um doce bichinho que tenho vindo a satisfazer com certa regularidade nos últimos tempos, em colaborações com Bruno Gonçalves Pereira - num programa onde se aliam as ideias e os conhecimentos da modernidade com as apetências pela comunicação.

Neste blogue discute-se o futuro da música e de todos os aspectos laterais, mas, essenciais para o seu mundo. A rádio sempre esteve ligada à divulgação de música e, ao contrário da televisão, quem fala de rádio acaba por lembrar-se de música e quem fala de música não pode ignorar a importância da rádio na sua promoção. É uma pescadinha de rabo-na-boca que viveu uma quente relação durante décadas. Não nos podemos é esquecer que já existia música antes de existirem rádios e que a música não vai terminar no dia em que as rádios claudiquem.

Concordo que uma rádio queira passar temas de sucesso. Já não consigo é compreender a razão pela qual o peso das vendas da música portuguesa é superior à percentagem de música portuguesa emitida. Por exemplo, na lista dos 30 discos mais vendidos em 2004 contavam-se os trabalhos de Da Weasel (3º), de Rui Veloso (9º) e de Mariza, sem que nenhum deles constasse da lista de temas mais escutados nas rádios nacionais nesse ano. Se o público compra mesmo sem a rádio promover porque razão a rádio não divulga o que os portugueses que escutam rádio compram? Ou será o grupo de portugueses que escuta rádio completamente diferente do que compra discos!? Depois de assistir ao escândalo futeboleiro do ano - “caso Mateus” - representado por ilustres juízes deste país, estou preparado para acreditar em tudo!

E porque estou hoje a falar de rádio em vez de exprimir a minha opinião acerca do jogo Portugal - Holanda? Podia dizer que não queria perder a oportunidade de explorar chão que já deu uvas após o meu último post ter atingido 69 comentários. Ou que mantive conversas paralelas com algumas pessoas ligadas à indústria, à rádio e à música. Ou que…
Porém, a verdade é que a crónica de hoje existe porque li um texto de Jorge Guimarães Silva – aconselho vivamente a sua leitura – em que se conclui que a rádio perdeu mais de 300 mil ouvintes comparando o 1º trimestre de 2005 com o deste ano.

Ora, estes números parecem mostrar que existe alguma coisa de errado. Se o actual modelo de rádio é bom como é possível uma quebra destas? Compreendo que os patrões das rádios não queiram mudar o formato nem passar músicas por decreto, contudo, se mesmo passando a música que os seus consultores indicam, feitos “científicos” estudos e mantendo determinado modelo de emissão, a rádio perde 300 mil ouvintes num ano por algum motivo será. As rádios parecem encontrar-se numa encruzilhada e quem as dirige tem optado por sinuosos caminhos nos cruzamentos com que se tem deparado ao longo das últimas 2 décadas.

O poder da rádio centrava-se, muito, imenso, na novidade, na mobilidade, na formação que realizava junto do auditório e na capacidade inata dos seus comunicadores - esmagadoramente constituídos por pessoas cultas, bem informadas, irrequietas, inquietas e inquietadas.
Poderia afirmar que a televisão matou a rádio, no sentido da rádio ter sido preterida dentro de casa, mas seria um equívoco. A televisão somente esmagou as manhãs da rádio quando os programas foram perdendo força e dinâmica. Quando os comunicadores foram sendo substituídos por gente com vozes jeitosas e, na sua maioria, com fraca capacidade e conhecimentos.
A televisão não esmagou a rádio. Foi a rádio que saiu do ringue de combate apostando em locutores, em estudos “científicos”, na normalização de listas de discos pedidos, terminando, em alguns casos, com a componente desportiva, esvaziando redacções com tarimba, despedindo jornalistas e contratando estagiários quase de borla.
Em simultâneo com a perda, em todos os horários, dos ouvintes “caseiros” - e o mais bizarro é que até os célebres e espantosos programas das madrugadas desapareceram sem deixar rasto -, a rádio acabou por apontar baterias aos ouvintes condutores. Nessa fase, uma rádio de música era mais atraente para os automobilistas do que uma cassete BASF de ferro com 60 ou 90 minutos de duração. Pudera, não era de admirar, leitores de CD's nos carros eram poucos e caros.

Um dos problemas é que estando a rádio barricada ao público que viaja de carro e com fraco sentido de novidade e de comunicação, caminha, inevitavelmente, para um beco sem saída.

Hoje em dia, já existem instalados, nos automóveis, leitores de CD's compatíveis com mp3, já existem leitores de DVD com respectivo ecrã, já existem diversos dispositivos móveis e não falta muito para que se sintonizem (nos nossos carrinhos) “rádios virtuais” através da internet. A vantagem da rádio, para quem conduz, vai passar a resumir-se à informação do trânsito? Será?
Não creio. Com o GPS, com o acesso à internet e com todos os serviços que o futuro próximo nos vai dar, vai ser mais fácil ver (literalmente) o estado do trânsito on-line.
Aliás, basta uma visita a alguns sites para já hoje sabermos como está o trânsito em zonas normalmente complicadas.

O cenário que tracei é pessimista? Talvez. Não obstante, acredito que as pessoas vão querer voltar a escutar rádio caso regressem a novidade, o arrojo, a comunicação, os programas de autor e a qualidade.

Com esses condimentos, a rádio será sempre uma tentação.


Luís Silva do Ó


*Este texto foi elaborado tendo em mente as rádios generalistas top de audiências. Outras rádios começam a dar sinais tímidos de mudança e as rádios do grupo RDP têm vindo a realizar um interessante percurso.

21.6.06

Vale a pena Portugal?

Antes de mais, os meus parabéns ao blogue e à iniciativa da discussão.
Este não é um tema novo para toda uma plataforma que discutiu profundamente o assunto e da qual fiz parte.
Apesar de alguns interesses não assumidos e lobizados nem a Rádio nem os homens da Rádio, são meus-nossos inimigos.
Considero-me sim inimigo duma puta duma mentalidade preguiçosa e estúpida que domina Portugal uns dias após o seu nascimento.
Humildemente acredito que a questão passa por inverter os hábitos e costumes de consumo.
Mas.... isso seria a inversão de Portugal, torná-lo menos periférico, mais orgulhoso da sua língua, numa espécie de reencaminhamento da bandeira à janela para uma elevação e evolução cultural.
Utópico que sou...
Uma espécie de Espanha, País traumático para nós, mas inviável de tanta inveja sofrermos.
Imaginem um Portugal onde se ouvisse o mais possível de tudo o que fosse produto nacional.
Onde se consumisse em todos os formatos, todo o tipo de musica de todas as áreas...
Acreditam nisso????

Portugal só é um País de vez em quando, porque tem comportamentos bizarros que se assemelham a grupos de nómadas à procura de um sítio para acampar.

Por isso estou orgulhoso de fazer parte de um grupo de pessoas inconformadas, que tentam inverter a situação, criando um processo lento de mudança que só daqui a muitos anos terá resultados efectivos.
Acredito que os novos projectos terão nessa altura visibilidade e...
Portugal valerá a pena.

João Gil

19.6.06

David Ferreira reage a "Música sem lei"

Registo que “não são os músicos (…) que pagam a rádio. Nem tão pouco as editoras, como sabemos. Se a telefonia não tiver audiência, não vende publicidade”. Os músicos e as editoras, é um facto, “apenas” produzem a música que atrai a publicidade. Se as rádios (e o Bruno pode dizer já isto aos seus patrões) entendem que não precisam do que os músicos e as editoras “apenas” produzem, cá estarei para ouvir a interessante programação que são capazes de fazer e para ver as grandes audiências e as enormes receitas de publicidade que assim vão conseguir.

David Ferreira – Administrador da EMI Music Portugal

7.6.06

Música sem lei

De fora da Lei

Longe de duvidar das boas intenções da Lei 7/2006 e relembrando que sempre defendi uma quota mínima de cerca de 20%, mas uma quota natural, de bom senso, vou até falar mais do que este diploma não vai trazer, na perspectiva, naturalmente, de quem gosta de uma boa dose de música portuguesa e está do lado de cá da telefonia.
Já na crónica “Confederação de Almas”, publicada aqui no Canal, de 13 de Março falei de alguns aspectos, na secção “Rádio Arapuca”, avançado algumas ideias do então projecto-lei e alertando para uma série de efeitos secundários que traz e, infelizmente, se confirmam.
A Lei é bem intencionada, tem como propósito defender a música portuguesa. Mais para proteger e continuar a divulgar, para não dizer “só”, os músicos ditos main stream , ou seja, os artistas mais comerciais, não os outros, porque a Lei não obriga – nem poderia obrigar - a rádio a passar esta ou aquela banda ou cantor.
É aqui que se aplica o que – nas rádios que têm algumas posses para poderem fazer caros estudos científicos – tivemos em tempo o privilégio (?) de ter acesso. É mais do que comprovadamente verdade, todos os estudos sem excepção dizem que os portugueses apenas têm disponibilidade para ouvir 17% de música portuguesa. É pouco. Vi pessoalmente o top da FNAC de Madrid, há três semanas atrás, existem três ou quatro discos estrangeiros, mais de metade são espanhóis.
Agora poderíamos ir para as eventuais justificações do costume, a mais fácil, dizer – ainda que sem grande convicção – que a rádio é que tem a culpa, só passa “coisas” estrangeiras e por isso as pessoas nos testes de auditório e nas compras só vão para o que não é nosso. Essa influência não é tão relevante assim, basta pensar que muitos discos novos, tocam nas rádios, com uma frequência razoável e vendem pouco, enquanto outros, quase sem passagem no éter, têm vendas consideráveis atendendo ao nosso pequeno mercado, não passando quer nos testes de música correntes de refrões de canções, nem sendo aposta das estações. Acompanho esta realidade de muito perto faz quase uma década e só no início me causou estranheza, de alguns tempos a esta parte vi que, tal como me acontece a mim, muitos ouvintes de música têm a música que gostam de ouvir em casa, na aparelhagem, no cd do carro, e outra que esperam encontrar no meio de uma sequência da sua rádio de sempre, ou de agora.
Como ouvinte, a rádio perdeu um pouco do seu encanto, mas por saber dos seus segredos e truques. Ao mesmo tempo, fica-se mais liberto para daqui ter uma visão mais global do comportamento dos ouvintes enquanto tal. E o que é certo é que os ouvintes, mesmo comparando músicas dentro do mesmo género, preferem o main stream , querem cada vez mais o comercial em detrimento do alternativo ou nuance de nicho, o pop rock melódico e de ouvido mais ou menos fácil é o eleito.
Quando se aposta com insistência, numa rádio, num tema mais fugidio ao meio do espectro, ou português sem ser de um consagrado, apesar de rodar muito, a reacção do auditório é normalmente má. E no entanto, a música foi divulgada, tendo as pessoas oportunidade de conhecer e avaliar por si. Quer tal dizer que a música, ou é feita para o grande público, ou acaba por não vingar nas vendas e na própria rádio main stream que por sinal congrega cerca de 30% da audiência do país e comanda o mercado publicitário rádio, fazendo – para terem uma ideia – a definição do próprio preço de um spot, vulgo anúncio. As estações generalistas, com um pouco menos de 20% de audiência, têm uma palavra mais fraca no mercado a nível de quem paga a rádio, os anúncios, sendo que uma delas é directa e indirectamente financiada por todos nós.
Não são os músicos estrangeiros, nem os portugueses que pagam a rádio. Nem tão pouco as editoras, como sabemos. Se a telefonia não tiver audiência, não vende publicidade. E se a rádio passa mais música portuguesa do que aquela que as pessoas querem ouvir, os ouvintes mudam-se, ainda mais, para o cd, mp3, Ipod e afins. Se é certo que a rádio precisa da música, as editoras e os músicos têm na rádio uma aliada para a divulgação e ajuda, até certo ponto, na venda de discos. Por vezes, estarem uns e outros, de costas voltadas, só arrasta a crise.
A música que a rádio precisa é a do público-alvo de um canal em concreto, com todo o respeito pelos outros que não se inserem neste âmbito. Sabemos que não temos mercados para rádios de micro nichos, nem tão pouco de nichos, lembrem-se da XFM. A não ser que, as rádios passem a ser literalmente sustentadas por milionários melómanos que não se importem de perder dinheiro, pelas editoras, ou pelos músicos de grande cachet , um cenário ridículo, não é? Ou então passamos a ter rádios por assinatura.

Voltando à Lei

Uma pergunta ou duas. A rádio está, desde o dia 2 de Maio, sob vigência desta Lei 7/2006. Está a cumprir. Notam alguma diferença de relevo? Ou mais música dos mesmos portugueses, para variar?
O primeiro canal de rádio de serviço público toca mais de 60% de música portuguesa, que reporto de “qualidade” para os meus ouvidos. Como o consegue?
Porque é uma rádio generalista que roda desde fado moderno até ligeiros não brejeiros, pop comercial, baladas rock, um tema ou outro mais alternativo dos projectos que surjam minimamente consistentes. Não é necessário suar muito para chegar à óbvia conclusão de que uma Comercial, Rfm, Cidade e demais reflexos radiofónicos em pequena escala das principais, não o podem fazer, porque estão no seu posicionamento cingidas a determinados géneros de música. Existe relativamente pouca produção pop rock portuguesa aceitável para os padrões de qualidade de produção e gravação, técnica de execução e, muito importante, que seja do agrado dos ouvintes quando as rádios a dão a avaliar dentro ou fora do éter. E os ouvintes, são quem compra os produtos que a rádio vende, na publicidade. As rádios locais, não têm, por enquanto, uma forma de se unirem. Não ditam mercado, não só, mas sobretudo, porque as associações (?) que supostamente as representam estão mais interessadas em vender material técnico e em exibir vaidades que em dar força às suas associadas.

Para além da Lei.

Poderá um diploma que congrega uma mistura de várias vontades, neste caso as editoras, alguns músicos, teóricos da cultura e políticos, ser uma boa lei do ponto de vista sistemático, ser coerente? Ou será antes uma manta de retalhos que cobre uns e destapa os pés a outros? Ou ninguém fica coberto porque passa frio pelos remendos da manta?
Não estarão alguns a dizer nesta altura “conseguimos pôr aquilo na lei”, “os outros não puseram aquilo”. Uma lei não deve ser como fazer uma sopa, cortar os vegetais, ligar a picadora “1, 2, 3” e cozinhar, tem que ter princípio, fim, coerência, objectivo e visão integrada. E esta é uma água russa, melhor que passar fome, mas de escanzelados não passamos.
As rádios têm sido sempre as más da fita, dizem que foram chamadas, dizem que poucas ou nenhumas apareceram na Assembleia. Saberão melhor os que lá estiveram, o que não é o meu caso. Alguém iria com entusiasmo para a feitura de uma lei onde vão restringir a sua liberdade de dar aos ouvintes as suas músicas preferidas, mesmo que eles (e nós) para tristeza colectiva queiram ouvir apenas 17% de música portuguesa?


À margem da lei
As editoras, AFP e alguns músicos, tiveram de marcar uma posição com a chamada lei das quotas, compreende-se. Tal como se entende o ataque à pirataria, ainda que sem as necessárias distinções entre o tráfico de música e o vulgo p2p, com baixa definição de som, servindo, na maior parte dos casos para pesquisa, antes de comprar. Talvez tenha tido o efeito de assustar alguns, ainda bem, desde que tenham sido da “caça grossa”. Sou abertamente contra o tráfico de música ou outra matéria de criação intelectual, não vendo contudo qualquer problema na pesquisa de música e no acto de ouvir antes de comprar. Para quem trabalha na rádio acaba por ser necessária esta pesquisa, ainda que a maior parte das músicas estejam a 128 k (sem qualidade de difusão) na net. Estamos numa altura em que a promoção das editoras deixou de entregar até a simples cópia em capa de cartão do disco ao animador, quanto muito o playlister/programador/coordenador musical ou o que se queira chamar, recebe a tal cópia. Assim o animador deixou de ter contacto com o disco, de o poder ouvir pelo caminho ou em casa, ou na sala de preparação de programas. Às vezes dá-se o ridículo de as rádios terem de tirar da net a música para a poderem tocar, já se está a ver, na maior parte dos casos sem qualidade de difusão… só para não privar os ouvintes da música, ajudando directa ou indirectamente na difusão e consequente relativa venda dos álbuns.

A lei de mercado

Compreendo que não se possam vender discos com baixa tiragem, igual ou inferior a mil unidades, a menos de 10€ de preço final de capa. Mas têm-se visto recentemente, discos de bandas portuguesas novas a 22€, 20, 18… não deve ser por aí o caminho. Ou dos consagrados que fosse.
O argumento que diz que os discos não aumentaram de preço nos últimos anos, ao contrário dos outros bens culturais, para além de não corresponder à verdade técnica – aumentaram pouco é certo, mas deu para notar – traz em si uma falácia, não se podem tomar as partes pelo todo, de que serve pouco terem aumentado, quando continuamos a pagar os mais caros discos da Europa, a par de outros países, mas nos quais as circunstâncias e o poder de compra são bem diferentes?
Encontramos os mesmos discos, mais baratos em Inglaterra, Alemanha, França e por esse mundo fora. Espanha é excepção, os preços são iguais ou superiores aos nossos, mas o poder de compra é diferente e o resultado também está à vista, o mercado é grande, mas também tem tido perdas.


A lei programática

Acho que ninguém, no seu perfeito juízo, quererá que as editoras fechem os seus escritórios em Portugal, ou que passem a ser um escritório adjunto do escritório adjunto de Madrid ou que a nossa música não venda mais.
Quando se constatar que esta lei não vai alterar o panorama – uns demorarão mais tempo a reconhecer isso que outros – o que se vai fazer? Propor uma alteração para os 70%, tal como defende José Cid? Ser ainda mais ousado e propor a quase totalidade de música na rádio em português? Abstraindo, obviamente, do facto de não termos música nessa proporção para tocar que seja aceitável para as grandes massas!
Não seria melhor existirem horas / programas de divulgação “obrigatória”, já que teria de ser “obrigatória”… e de especiais aquando dos lançamentos, com reposição garantida (transmissão dupla ou tripla nos canais de rádio, em horários diversos)?
Sei que as editoras estão preocupadas com a nossa música, ainda bem, mas também salta à vista, que existe outra preocupação, e essa é com a perda de mercado de quarenta e tal porcento, nos lucros. E entende-se, as empresas existem para dar lucro, ainda que seja muito importante a função social de apoiar, produzir e lançar música portuguesa.
As iniciativas presentes são um começo, ainda que por caminhos nem sempre direitos, ou atingindo os alvos certos.
É do conhecimento público que um CD, a preços de há dois anos atrás, fica em edição normal num máximo de 80 cêntimos – para uma tiragem de 2000 exemplares – com gastos de gravação, produção, capa, promoção ligeira e impressões. Os discos saem das editoras a um preço muito razoável de oito euros. Depois, todos sabemos o que acontece, aparecem nas lojas de revenda a 17, 18, 20, 22€ e mais. Como tal, a culpa não é de nenhum preço exagerado por parte da editora, nem tão pouco de mais olhos que barriga dos músicos. E, já agora, também não é culpa das mulheres e homens da rádio, por sua exigência de quererem trabalhar com um bem caro, de luxo, o disco, até porque é mais o computador, para onde se grava o disco.
Não seria melhor as editoras venderem directamente ao público o disco novo a 10, 12 € e a 5, 7€ os com mais de um ano ou de fundo de catálogo? E se o disco fosse mais barato das duas primeiras semanas de lançamento e depois passasse a um preço intermédio, para premiar quem quer as novidades?
Quando deixa de ser, disparatadamente, para efeitos nacionais e de mercado, música nova aquela que tem até dois anos?
E que tal os revendedores passarem a ser “obrigados” por lei a colocar um pvp máximo de 12€?
E de as pessoas poderem fazer apenas um download em vez de 10 de mínimo, tal como é agora? E os downloads pagos (naturalmente), passarem a custar, por exemplo, 0,60 € em vez de 1€, como acontece? É que só os mais distraídos não raparam que o somatório de fazer download de 17 músicas de um álbum vai perfazer a bonita soma de 17€, tão caro quanto comprar o disco e ainda para mais sem capa, bolacha, caixa e livro. O preço dos downloads é um desincentivo à sua prática e, ao mesmo tempo, à manutenção por parte de mãos menos escrupulosas de downloads pesados ilegais.
Basta dar uma volta pela rede, CD GO, Amazon, Cash Converters, E-Bay ou ir à Carbono, para já se conseguirem preços, mesmo em novo, bons ou, ainda assim melhores, visto que os preços exagerados praticados pelas Fnacs e afins regem o mercado em alta. Até a Fnac francesa tem edições novas a 12€…
O IVA. Têm as editoras razão, temos nós consumidores razão, tal como os músicos. 21% de taxa para um bem cultural, que é o disco. Um disparate. Contudo, há que não esquecer que baixar 3€ a um disco (aproximadamente a diferença entre ele ter 5 ou 21% de IVA) ainda é pouco, o que tem de se pensar atirar para baixo é a margem de lucro dos revendedores. Estas duas deveriam ser as batalhas principais. A baixa do preço do disco não deve cair nos artistas e nas editoras que são quem trabalha, cria e promove a música. É na grande diferença entre o preço de saída da editora e o preço ao consumidor que tem de se trabalhar. Ainda que seja importante a Lei, pelo debate gerado, pelo que se fez e faz pensar, talvez para que os portugueses olhem a música portuguesa de outra forma e subam por ela a sua preferência para além dos frios 17%. É preciso mais. Ficaram muitas sugestões.
Entretanto, entre nós, discos continuam por vender, ou já não são editados por se saber de antemão que se não vão vender, carreiras ficam por prosseguir e muita conversa e poucos efeitos práticos.
E as iniciativas são assim, algo curtas de vista, quando se podia fazer muito mais.
A pergunta do Luís acerta no ponto. Mais música portuguesa?
Parece que nem por isso… as rádios já tocavam à volta de 15%.
10% mais não vai ser difícil de preencher informaticamente, com mais dos mesmos, cumprindo a Lei.
Era esta a lei que todos queríamos?

Bruno Gonçalves Pereira