31.12.03

A união faz a força

Escrever sobre editoras, músicos e rádios é uma tentação cada vez maior, cada vez menos original e termina, normalmente, em violenta tourada.
Tudo, porque o tema conduz a quentes e apaixonadas discussões, em que a razão dá lugar à “latina” emoção, motivando acalorados debates – muitos deles vazios de sentido – culminando com ofensas e amuos de diversa ordem.
Extremar posições não levará a lado nenhum, nem contribuirá para uma serena e lúcida solução dos problemas; é como colocar Bush Jr. a moderar uma cimeira de paz…

A força da música portuguesa encontra-se no sucesso popular, gerado por uma boa canção, munida de um grande refrão – elemento primordial para o êxito.
Este é o início de tudo; o verbo, neste caso, é o refrão! Sempre foi assim, o segredo está bem divulgado e é do conhecimento de toda a gente.
Apesar de outras décadas com boas castas, a receita daquilo que o povo gosta tem a sua melhor colheita nos anos 80, como os estudos de mercado bem atestam. Foram os tempos do “boom” do rock português e de grandes sucessos internacionais, com temas fortes e refrões orelhudos.

Talvez o que falte neste momento seja uma clara aposta na canção, pensada e elaborada numa perspectiva de consumo radiofónico e televisivo – não defendo uma “canção comercial”, stricto sensu, mas, sim, uma canção forte e em que essa força seja sinónimo de que o público gosta; e se o povo gostar é porque é comercial!
É estranho constatar que, dos novos projectos, poucos chegam ao grande público, ao invés dos nomes consagrados, sábios na elaboração do sucesso, mas, cada vez menos aptos a surpreender ou a ousarem na criatividade, contribuindo, assim, para o pântano actual.
Porém, existindo novos projectos, com potencial, porque motivo poucos são editados?
Ou, porque razão, aqueles que são editados não alcançam uma projecção adequada?
As nossas editoras deviam adaptar-se aos tempos modernos, seleccionando projectos na óptica do consumidor. Para tal, umas sessões – semelhantes àquelas que as rádios fazem nos seus estudos – em que os temas (de novos grupos e, porque não, de pré-produções de novos trabalhos de consagrados?) fossem apresentados e votados, por uma plateia representativa, mostrariam o “eco do povo”.
Bastavam estudos, como, sabiamente, o músico Ulisses defendeu na crónica “Os EUgénios da música portuguesa”.
Tendo por base esse e outros dados comerciais, estou certo de que o trabalho das editoras seria mais profícuo e que a divulgação nas rádios seria mais efectiva, porque todos estariam a falar no mesmo idioma. Por exemplo, as editoras deviam usar temas promocionais adequados ao target de cada estação (um pop-rock numa rádio adulta, um rock mais a abrir numa rádio jovem). Se os públicos de cada segmento de rádios é diferente, porque motivo um mesmo trabalho só pode ter um tema promocional de cada vez?
E, nisto, tenho de ser directo: as rádios vivem em pleno século XXI, as editoras permanecem num trabalho à século XX português.

Nesta história, os músicos são os menos culpados, mas, sendo as principais vítimas, devem reflectir.
Os novos nomes devem saber ponderar a sua posição e os compromissos que possam vir a assumir, com ou sem concessões, dependendo da sua própria opção artística e conscientes das implicações da opção tomada.
Todavia, apesar das rádios estarem mais evoluídas do que as editoras, não terão, também, a sua quota parte de responsabilidade no marasmo em que se transformou a nossa indústria musical?
Claro que têm e por motivos bem diversos... Primeiro, porque parecem ter abandonado a vertente formativa do auditório, em segundo, porque os animadores cada vez se preocupam menos em perceber de música e, por último, porque não se compreendem algumas omissões nas apostas musicais.

No final destas linhas constato o evidente: o objectivo geral é comum aos diversos intervenientes do meio musical.
As editoras procuram promover e vender as suas edições discográficas.
Os músicos ambicionam gravar, mostrar o seu trabalho, ao vivo e em estúdio.
Como as principais rádios não se querem transformar em “rádios nostalgia” precisam de novas canções e de novos sucessos.

Em nome da evolução da música e das próprias rádios, é necessária uma aposta conjunta.
Um trabalho conjugado e honesto seria vantajoso para todos.
Um trabalho forte como um bom refrão.
Porque a força de um refrão é a força de uma canção; e isso reflecte-se em qualquer votação.

Ora, meus amigos, não será a música a causa de tudo isto?
Que tal esquecer guerras antigas e beber o champagne do futuro?
Em época de paz, aguardo boas colheitas no próximo ano.
A todos, Feliz Natal, Próspero Ano Novo.



Lisboa, 23 de Dezembro de 2003

Luís Silva do Ó, jornalista

17.12.03

O Mercado

Haverá uma luta entre o génio inventivo da criação artística e o que o “mercado” quer?
Algumas vozes se levantam nos fóruns da Telefonia Virtual e por outros sítios mais, contra o que apelidam de formatação das rádios. Acredito que existam ecos para além das naturais frustrações de carreira radiofónica e musical, mas deixem ficar uma ideia, por mais bizarra que vos pareça... o que impede uma banda ou artista, uma editora, produtora ou um departamento de promoção de aplicar estudos de mercado a um produto de música? E com a expressão “produto” não estou em desconsideração com ninguém. Qual é o atrito?
Será a ideia de se juntar ao “inimigo”? A incredulidade solitária no método? O conformismo? O achar melhor um bom disco mais introspectivo na prateleira do que outro igualmente bom mas mais próximo do público a ter saída?
Sabendo que há discos que se vendem razoavelmente mas que pouco passam na rádio, não nos esqueçamos de que também nós temos música que gostamos de ouvir na alta fidelidade lá em casa e se passar na rádio não nos faz sentir aquele tal estado de alma...
Gosto muito de muita música portuguesa mas não gosto menos da minha rádio...
Com largueza de horizontes, é irreal falar de cotas de passagem de música portuguesa, penso que os artistas não quereriam ver as pessoas do outro lado do éter obrigadas a ouvir a sua música. O que se deve sempre tentar, sem cruzar os braços e perder a motivação é que se passe cada vez mais música portuguesa na rádio e de preferência não só em número de canções mas também de artistas. Penso que tenho tentado fazer a minha parte, mas, como diz bem o nosso povo, sem ovos não se fazem omeletes... tenho bons discos de música portuguesa que oiço no carro e em casa, mas sei com conhecimento de causa que os ouvintes desta ou daquela estação não apreciam ouvir a mesma música a tocar na rádio. E agora, fazer o quê? Contrariar os ouvintes que são o suporte da rádio para colocar uma capa protectora nos nossos artistas? Felizes dos que conseguem conciliar um pouco as duas fontes de respeitabilidade. Porque razão as pessoas das rádios haveriam de ter algo contra a música portuguesa? Eu gosto do que é nosso e já vai um pouco distante o tempo em que se notava quando surgia no ar uma música portuguesa, por fraca qualidade técnica de som. Quem diz que as rádios não apostam no que é novo e passam várias vezes ao dia o mesmo “clássico” só pode ser porque não conhece bem a rádio que temos e vive com uma certa obsessão pelo espectro das máquinas e das importações estrangeiras, por cá, seja português ou estrangeiro, se é bom por decisão de quem nos ouve, vai para o ar... até se fazem campanhas para apoiar a música portuguesa, tenta-se estar cada vez mais perto dos ouvintes e como alguém diria, o tempo é o grande mestre...
Não deve ser altura de ninguém se fazer de vítima. Quando a curva de audiência geral de rádio estava em queda, ao contrário do que agora acontece, não andaram as rádios a chorar pelos cantos e a pedir protecções legais ao estado...
Também sou músico, ainda que amador e já passei por alguns agrupamentos, sei em certa medida o que se sente quando se sobe a um palco, quando toca na rádio uma música de um grupo nosso, quando há um aplauso... agora imagine-se o que seria obrigar o público a estar presente num estádio, num pavilhão a ouvir alguém que não aprecia particularmente... Estamos todos do mesmo lado, a industria da música em minha opinião é que avança demasiado devagar, travada por preconceitos que nem são dos artistas...
Tão bom seria que parte grande dos projectos fosse sucesso de vendas e de passagem na rádio! Que o génio inventivo vá de encontro ao público é o que mais desejo... estaremos cá todos para de tal dar conta... o mercado somos todos, com toda a emoção!

Bruno Gonçalves Pereira

10.12.03

BLOGUE-SE À FORÇA – Um
Eu fui aos DOORS

Fui no sábado ao concerto dos Doors Século XXI (pois). Sem expectativas, sem ansiedade, sem saudosismo algum.
Juntei-me no Pavilhão Atlântico a alguns amigos, mordi a cena em redor, apanhei com o perfume do charuto-charuto a meu lado e cheguei a emocionar-me com três ou quatro canções.
Na tarde anterior participei no lançamento do livro “Contigo Torno-me Real”, do portuense Rui Pedro Silva, sobre Jim Morrison e os Doors.
Há uns meses o rapaz pediu-me um texto, eu disse vagamente que sim, duvidei das suas intenções – mistura de admirador e tese de licenciatura – , cheguei a julgá-lo mais um tontinho à cata do Jim Morrison português, mas acabei por lhe enviar o relatório de alguns momentos importantes da minha adolescência, o tempo que tentei descortinar nas fisionomias, no vestuário, na atitude dos espectadores de sábado, dia 6 de Dezembro, no Pavilhão Atlântico: uns novos, nascidos depois da morte do primo, com adornos alusivos; outros mais velhos, como eu, saídos do jantar da família.
Lembrei-me então que os americanos celebram o 4 de Julho, e nós, os que mergulhámos na força que uma voz pode suscitar (e somos o resto do mundo), celebramos o 3 de Julho, o dia em que ele morreu.
É bom dizer-vos que até meados dos anos oitenta, quando os primeiros vídeos sobre as digressões dos Doors apareceram no mercado, nós, os fãs, os conhecedores, os de 67 (com 13 anos), nunca tínhamos visto o malandro do Jim ao vivo, o tal gajo obsceno que um tribunal da Florida (o mesmo estado americano onde o actual irmão do presidente Bush controla processos eleitorais) levou a julgamento.
Rezam as crónicas, pelo menos as que eu li, que, depois do espectáculo da justiça à americana, o pregador americano atravessou os States numa viagem de carro com amigos (Jim Morrison não tinha carta de condução), partiu para a Europa (festival da ilha de Wight) e avançou para a zona sombria que daria a poética e o canto de “L.A. Woman”. Paul A. Rothchild, o produtor, desconfiou da qualidade da obra e partiu.
Mais tarde, o filme do fã Oliver Stone produziu para menos de duas horas uma nova e caricata leitura da fama da estrela americana. Achei aquilo o disparate normal que o consumo exige, a moda proporciona, e que os europeus órfãos de mitos adoram: não esqueçamos que Morrison acabou numa banheira de Paris.
Mas os Doors que eu aprendi a ouvir, mal dominando o inglês, eram um grupo marginal, fora do grande mercado americano do disco. Antes da morte do seu cantor, os Doors apenas tiveram dois grandes sucessos: “Light my Fire” (1967), que foi numero 1 da Billboard, e depois “Hello I Love You” (1968). “Touch Me” (1969) ou “Roadhouse Blues” (1970), nunca atingiram o primeiro lugar de vendas na América. Aliás esta última canção só muito mais tarde se torna uma referência das pistas de dança. No ano seguinte, “Riders on the Storm” alastra como um adeus ao cantor desaparecido.

Voltando à assistência que andava pelas dez ou doze mil pessoas no dia 6: será que todos eles teriam em casa os discos dos Doors que nunca estiveram na moda em Portugal? Não sei, a banda nunca foi um sucesso de vendas por cá e isso viu-se quando Ray Manzarek informou que iriam tocar alguns temas de “L.A. Woman”, explicando que nunca tinham promovido o disco em cena porque Jim partira para Paris. Em canções como “Cars Hiss by my Window” ou “Hyacinth House”, as palmas foram patéticas.
Assinalo quatro grandes momentos: “Roadhouse Blues” a abrir, “Break on Through (to the other side)”, a seguir, “L.A. Woman” (que grande baixo) depois, e a finalizar “Riders on the Storm”, soberbo com a mistura do som da tempestade.
Dois reparos: Ray Manzarek não precisa de se parodiar (o pé ou a pata em cima do teclado acordou Morrison); Ian Astbury é demasiado rude em momentos de grande sensualidade morrisiana. Quando Jim caía no palco, ajoelhava-se, ou andava de gatas, a maior parte das vezes buscava o equilíbrio perdido (os cocktails explosivos que ingeria não permitiam mais), apesar de muitos historiadores alastrarem teorias sobre colagens meritórias à crueldade teatral de Antonin Artaud. Pois.

Acredito piamente que, à imagem histórica de um Jesus Cristo libertário, que seria hoje sumariamente liquidado pelas igrejas que usam o seu nome, também Morrison, no seu exemplo continuado de vivências, estaria hoje sepultado (com 60 anos feitos a 8/12) pelo esquecimento.
Estariam os Doors vivos, obrigados a shows pelos casinos de Las Vegas? Uma carreira a solo, finalmente um dueto com Neil Young? Livros de poemas e guiões para filmes em circuitos marginais?
Teria Morrison permitido a edição dos opúsculos “The Lords and the New Creatures” e “American Prayer”? Haverá espaço para celebrarmos os poetas vivos nesta sociedade? Os nossos grandes poetas são pomposamente glorificados depois de mortos e bem mortos: Verlaine, Blake, Byron, Pessoa, Neruda, Cesário Verde, admitem hoje tudo, até o uso de um verso patético numa campanha publicitária. Será por tudo isto que há anos rasgo tudo o que não uso e de cuja qualidade estética duvido?

Uma última farpa: depois de ler alguns dos meus parceiros musicais com texto impresso no livro do Rui Pedro Silva, pergunto: alguma vez ouviram, para lá da evidência das quatro passagens diárias de “Light my Fire” na Rádio Comercial, a música dos Doors?
Ressalvo dois textos: o de Rui Veloso, pragmático, e o de Rui Reininho, cínico.

(Não sei se estavam no pavilhão Atlântico no sábado alguns dos nossos políticos idiotas que chamam democracia à actual América e presidente eleito ao inquilino da Casa Branca. Também era um concerto para eles, um revival, tal a profusão de comparações com os concertos de Roger Waters, de quem não gosto, e de Carlos Santana, porque estava a trabalhar. Mas os Doors, na sua essência, são muito mais do que um bibelô que se guarda ao lado da porcelana familiar. Ele convocou-nos para acordar. Acordámos? )


10 de Dezembro de 2003,

António Manuel Ribeiro, músico e produtor dos UHF

3.12.03

Pirata? Aquele jovem?

Pois é... se calhar é...
Mas quem lhe dá uma razão válida para ele comprar um álbum original?
É certo que se calhar ele, e muitos como ele, contribuem para que as editoras e, por conseguinte, os artistas não ganhem o que lhes é devido...
O que é certo é que o ouvir antes de comprar ajuda, mas a pirataria informática é de tal ordem que hoje se arranjam rips (nome comum de obra discográfica copiada) de alta qualidade com capas e tudo...
Mesmo sendo ele admirador de uma banda (desculpem mas não gosto da palavra fã - soa-me a fanático)... daqueles de querer ter tudo... porque razão há-de gastar € 20 ou € 30 num CD?
Se um concerto fica por esse preço?
Se se arranja um CD virgem a € 0,35?
Se gravar um CD não custa assim tanto (quer para qualquer pessoa com um PC em casa, quer, concerteza, para uma editora numa produção de 10.000 unidades)?
A esses preços não admira...
Por outro lado, temos as bandas, que graças a este mundo que é a Internet, tiveram sucesso. Lembro-me de 2 ou 3 casos de grupos que não conseguiam contratos e, graças aos chamados ripers, que fizeram uma release (nome técnico de rip completo), obtiveram sucesso junto da comunidade "cybernauta" e conseguiram bons contratos de editoras (certo que tudo bandas estrangeiras e por norma nórdicas).
Aquele jovem é pirata? Talvez...
Orgulhoso disso? Talvez não...
E, agora, o mais importante de tudo:
Uma boa razão para ele deixar de o fazer?

João Pedro Rei, Lisboa